Quem consegue ingressar em uma escola particular carioca?

As oportunidades e limitações de uma bolsa de estudo

Josenilda sempre cuidou de sua neta Lorena como filha. A mãe da menina engravidara cedo e o trabalho consumia a maior parte de seu tempo. Toda noite a avó dava um copo daquele famoso achocolatado para a menina, antes de colocá-la para dormir carinhosamente. Quando terminava de faxinar o prédio onde seu marido trabalhava como porteiro, as duas viam novelas e brincavam de faz de conta. Às vezes, ela gostava de “imitar a vovó” e passava o espanador em suas bonecas. Devota de Nossa Senhora e sempre buscando o melhor para a menina, Nilda, como gosta de ser chamada, se entusiasmou quando soube que o prestigiado Colégio Notre Dame, próximo onde morava, em Ipanema, tinha um programa de bolsas de estudo. Passado uns meses, se alegrou quando viu o nome de Lorena na lista de aprovados para o benefício. Ao mesmo tempo, se espantou com o valor da lista de material escolar requerida pelo colégio: “Era mais que o salário do meu marido”. 

Colégio Notre Dame em Ipanema (Foto: Reprodução)

Colégio Notre Dame em Ipanema (Foto: Reprodução)

A educação de qualidade é um privilégio antigo. Nas palavras de Florestan Fernandes, ferrenho defensor do ensino público: “Ao contrário do que estipula a Constituição, os recursos do Estado não serão canalizados para o financiamento das escolas e a expansão do sistema público de ensino, mas para a manutenção das escolas particulares, a prosperidade dos seus proprietários e ao crescimento da rede privada do ensino”. Há séculos, o direito à educação era oferecido apenas às classes superiores, que tinham tempo e dinheiro para estimular seu raciocínio. Resquícios dessa situação, aliados a projetos de sucateamento das escolas públicas são perceptíveis a olho nu até hoje. Um exemplo é que dentre as 10 escolas do Rio de Janeiro com maiores desempenhos do Enem 2023, apenas o Colégio Naval é público. Mas essas instituições privadas, tão desejadas por sua qualidade de ensino e infraestrutura, tentam diminuir a desigualdade inerente a suas mensalidades, que muitas vezes extrapolam três, quatro salários mínimos ou muito mais? Ou ainda, a mensalidade é a única barreira para igualdade?

OS PROGRAMAS

Surpreendentemente, ou não, alguns dos principais e mais tradicionais colégios do Rio de Janeiro não têm qualquer tipo de desconto ou bolsa de estudo. É o caso do Colégio Santo Agostinho e do Colégio São Bento. Segundo um funcionário da primeira instituição, que preferiu não se identificar, nunca houve nenhum tipo de bolsa para alunos devido a condição socioeconômica. A única que chegou a existir era por aproveitamento de notas acima de 8 na prova de admissão, mas que foi descontinuada após a pandemia. Já no São Bento, existe uma parceria desde 2005 com o Projeto Alicerce do Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos, ISMART. Ele consiste em selecionar alunos da rede pública do 7º ano que tenham alto desempenho acadêmico para frequentarem um curso preparatório. Ele é no contraturno da escola do participante, nos dois anos seguintes, correspondentes ao 8º e 9º anos, e ministrado no espaço do Colégio, por professores do mesmo. O objetivo é nivelar e preparar os alunos para a prova de admissão do Ensino Médio. Os aprovados recebem bolsa integral para cursá-lo no CSB.

Já no Colégio Notre Dame Ipanema, almejado por Josenilda, a situação é diferente. São disponibilizadas bolsas de estudos integrais (100%) e parciais (50%) para quem tem renda per capita de até 1 ½ salário mínimo para o benefício integral e de até 3 salários mínimos para o de 50%. A informação é de fácil acesso e dispõe de uma página inteira dedicada a ela no site, o que não é muito comum. 

No Escola Eleva Botafogo, cujas mensalidades chegam até 7.235 reais, costumava existir, desde 2017 o programa “Janelas Abertas” que oferecia bolsas de estudo para crianças e adolescentes de baixa renda. Entretanto, ele não aceita novos alunos desde 2022. Segundo a instituição, nos últimos anos, o volume de captação com a comunidade ficou muito menor do necessário para a sustentabilidade do programa.

DIVERSIDADE

Dado esse panorama, vale pensar como esses programas, ou falta de, impactam o ambiente escolar, seu nível de diversidade e como isso afeta os inseridos nele. João Pedro Nogueira, ex-aluno do Santo Agostinho, explica: “Quando estava no colégio achava que era besteira essa ideia de sair da bolha”. Ele conta que quando passou a frequentar a UFRJ, no curso de Medicina, teve um choque de realidade. “Ouvia sobre os problemas mas não percebia que eles existiam até ver de perto. Na faculdade que percebi a importância de conviver com pessoas diferentes, de perceber que o Rio de Janeiro é muito maior do que você acha que é. As amizades te dão, sem querer, consciência de classe.”

Estranhamente, Gabriel Bastos, ex-aluno da Escola Eleva, afirma que mesmo com o funcionamento do “Janelas Abertas” na época em que era aluno, a diversidade ainda era mínima. “Se eu fosse chutar, 95% dos alunos não faziam parte desse programa. Acaba que o padrão de pessoas lá continua sendo a população majoritariamente branca.” No âmbito social, ele acredita que era um pouco mais variado que no Santo Agostinho. 

Essas circunstâncias mostram como a escola, além de sua função educacional, tem a imprescindível função de introduzir a socialização com o diferente, o que é fundamental para que as distinções sejam abordadas com normalidade e sem constrangimentos.

Alunos do Colégio São Bento recebendo a Primeira Comunhão (Foto: Reprodução)

Alunos do Colégio São Bento recebendo a Primeira Comunhão (Foto: Reprodução)


ALÉM DA MENSALIDADE

Como exemplificado por Josenilda, a mensalidade não é a única barreira no ingresso a uma escola particular. Passeios são um bom exemplo. Imagine ser a única pessoa na sala a ficar de fora da atividade que todos seus colegas não param de falar animadamente sobre. São pequenos acontecimentos como esse que influenciam imensamente na capacidade do bolsista de se integrar ou não. Soma-se a isso a questão dos materiais escolares. Por exemplo, apenas os livros da lista de material escolar do sétimo ano no Colégio Notre Dame custam cerca de 1.745 reais. Além disso, é necessário estojo, mochila, lápis, canetas, uniforme, entre outras coisas. A alimentação também configura um problema quando se pensa que essas instituições não a oferecem gratuitamente. 

Esses fatores foram justamente o que impediram Josenilda de matricular Lorena no colégio particular. “Procurei um colégio mais barato em Botafogo. Seria impossível para mim pagar por todas aquelas coisas que só iam se acumulando.” Essas políticas de auxílio ao ingresso devem ser inclusivas ao pensar o contexto socioeconômico em que o aluno está inserido. Pensar nos gastos além da mensalidade é decisivo para a permanência ou não dele.

É de se pensar porque a maioria dos grandes colégios tradicionais não oferecem bolsas estudantis. Obviamente, a solução para o problema educacional do Brasil está longe de ser o ingresso de todos em instituições particulares. A própria existência delas é contestada por muitos, que entendem que ela tem como fundamento a ideia de serem uma opção melhor às escolas públicas, negligenciadas e sucateadas de todas as formas possíveis pelo poder público. Mas também não é possível dizer que a oportunidade de ter uma educação forte, sem lacunas, não pode mudar vidas. E já que esses espaços privados costumam oferecê-la com menos problemas estruturais, eles poderiam se preocupar em serem mais acessíveis.