O metrô pelos olhos da Baixada

Tiktoker Vitorinha Baixada faz denúncias de superlotação, falta de segurança e poucas estações do metrô nas periferias do Grande Rio

Imagine-se na seguinte situação: no caminho de volta para casa, você usa o metrô  para se locomover. Para sentar, você deixou passar o último carro para ser a pessoa mais próxima da porta do metrô, quando ele chegar. Mas você não é a única cansada. Outras pessoas começam a te empurrar para frente, mesmo sem o metrô estar na plataforma. A faixa amarela está ficando para trás e você tem a sensação que vai cair nos trilhos. Não há seguranças que impeçam o empurra-empurra. Só uma gravação que ecoa na plataforma, mas ninguém parece ouvir. Desesperada, você grita: “Não empurra, não”. A dona dessa frase foi Vitória Rodrigues, que acumula diversas funções entre estudante, ativista social e tiktoker dedicada a um tema muito especial: as dificuldades da mobilidade urbana para quem precisa usar o transporte público no Rio de Janeiro.

Vitória Rodrigues (Fonte: Reprodução)

Vitória Rodrigues (Fonte: Reprodução)

Vitória Rodrigues tem 19 anos. Mesmo tão nova, ela já coleciona experiências de adulto. Vitória comanda a Ini.se.ativa, um projeto de educação de impacto social para adolescentes e jovens de periferia que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A ativista também gerencia a A(tua) Meriti, coletivo de jovens e de políticas públicas voltado para São João de Meriti, cidade em que mora atualmente. Com a A(tua) Meriti, ela colaborou para a criação da Agenda Meriti 2030, um documento com 80 propostas de políticas públicas para todos os bairros de São João de Meriti, elaborado por meio de entrevistas com moradores e dados sobre a cidade. 

A história de Vitória com o metrô começou cedo. Asmática, ela tinha que ir ao Centro do Rio de Janeiro com frequência para se consultar em hospitais do SUS.

“Acho que umas das minhas primeiras memórias de criança é o metrô estar muito cheio e minha mãe me jogar no colo de um moço para eu não ser esmagada”, relatou a estudante.

Mais tarde, no nono ano do ensino fundamental, Vitória entrou em um curso pré-técnico comunitário, que se localizava no Leblon. Moradoras de São João de Meriti, todo sábado, Vitória e a mãe passavam por mais de 30 estações para poder estudar. “Isso fazia com que eu ficasse muito mais cansada do que as pessoas que estudavam comigo. Além da minha mãe gastar muito dinheiro com passagens, também era um problema o fato da região metropolitana não estar conectada.” Vitória atrelou a falta de integração da mobilidade urbana fluminense a ter sido excluída pelos colegas do curso:

“Apesar de também serem periféricos e favelados, me excluíam porque achavam que São João de Meriti era outro mundo”.

Mapa do metrô do Rio de Janeiro

Mapa do metrô do Rio de Janeiro

Atualmente, o metrô do Rio de Janeiro tem 41 estações que percorrem 56,5 quilômetros. Essa extensão mal atravessa a própria cidade do Rio de Janeiro.

A Zona Oeste, por exemplo, só tem uma estação: Jardim Oceânico, área nobre da região. A professora da UERJ e urbanista Luciana Gennari explicou que, na porção Oeste do Rio, a escolha por implantar o Bus Rapid Transit, o BRT, passou pela economia financeira. “É uma implementação muito mais simples que a opção de transporte sob trilhos.” Ela chamou atenção: “Para implementar uma estrutura dessa (metrô) em uma área que já está densamente ocupada, vai implicar desapropriações e grandes obras. O que não é um problema em si, mas para onde estão indo esses investimentos que é a questão”. Ainda na cidade do Rio, a linha metroviária é mal distribuída pelos bairros da Zona Norte. Enquanto a Tijuca tem quatro estações, as outras 15 da região mais populosa da cidade do Rio atendem um bairro cada. Na Baixada Fluminense, região em que se localiza a cidade de Vitória, a situação da mobilidade urbana é ainda mais precária. Apesar de ser responsabilidade do governo do estado, esse meio não chega a outras cidades. 

A atual passagem do metrô do Rio de Janeiro custa seis reais e noventa centavos. A população com renda mensal de até R$ 3.205,20 pode se cadastrar no Bilhete Único Intermunicipal, que garante o tíquete por um valor mais em conta: cinco reais. Esse preço, no entanto, ainda está longe do ideal, o metrô de São Paulo, que disponibiliza 91 estações com integração ao trem, tem um passe mais barato: quatro reais e quarenta centavos.   

“É complicado porque você vai construindo BRT, Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), metrô, ônibus, barca e disso o que está integrado? Que a gente paga uma passagem única e consegue efetivamente sair de, por exemplo, Sepetiba, e chegar em outro município da região metropolitana do Rio de Janeiro?”, questionou Luciana Gennari. 

Escada que dá acesso à plataforma do metrô na estação Antero de Quental, no Leblon

Escada que dá acesso à plataforma do metrô na estação da Pavuna

Vitória passou no ensino médio técnico em saúde da Fiocruz. Mas a estudante ainda precisava usar o transporte público para chegar até a escola. Devido às interrupções do trem, resultado de tiroteios nos arredores de Manguinhos, Vitória perdia muitas aulas e enfrentou um episódio difícil: “Indo para a escola, eu vi um cara morto no caminho. Aí eu optei por pegar o metrô porque mesmo que eu passasse mais tempo, eu sabia que conseguiria voltar para casa”. Agora, com o codinome “Vitorinha BXD”, ela usa o TikTok e Instagram para divulgar as assimetrias entre as estações de metrô das Zonas Sul e Norte e questionar a falta de planejamento na mobilidade urbana das áreas periféricas do estado. 

Em um de seus vídeos, Vitória repara em uma disparidade na construção do metrô na cidade do Rio de Janeiro: enquanto as estações das linhas um e quatro, que atendem as áreas mais nobres da cidade, são subterrâneas, a linha dois, que funciona no subúrbio, trafega acima da terra, semelhante ao trem. “Falar disso atraiu muitas pessoas odiosas para cima de mim porque muitas dizem que a gente precisa aceitar que ao menos tem metrô na Zona Norte”, desabafou a tiktoker.

Para Vitória, o metrô acima da terra está “proporcionando ambientes extremamente inseguros”. Ela lembrou da insegurança que sente ao atravessar uma passarela de metrô e ainda deu ênfase à questão da acessibilidade: “Se você é uma pessoa idosa, como vai fazer para atravessar mesmo que seja uma rampa? Isso vai levar muito do seu tempo”. 

A ativista percebe que a forma como as estações do metrô foram planejadas é extremamente desigual, e isso também conta a história do Rio de Janeiro. Vitória acredita que as estações subterrâneas cumprem o papel de integração que falta na linha dois:

“Você imagina uma linha que corta Ipanema ao meio e as pessoas tendo que atravessar uma passarela para passar de um lado para o outro. Isso não existe. Então por que isso é aceitável na Pavuna por exemplo?”

Luciana acredita que a questão da integração das estações enterradas ocorre não só em termos de mobilidade, mas também a partir de uma identificação mais próxima do usuário com o lugar. Ela destacou que a construção da estrutura subterrânea do metrô é muito mais cara que a da superfície e esse fator influenciou na decisão.

Além da economia financeira, Luciana explicou as possíveis origens da escolha do governo do estado em construir uma estrutura aérea de metrô na linha dois: “Era uma solução em termos de planejamento”. A urbanista analisou que buscava-se a solução objetiva da questão da mobilidade urbana sem que fosse levado em conta “o rompimento dessa tessitura urbana e social que estava acontecendo no espaço concreto”. 

Plataforma que dá acesso à estação de metrô da Pavuna

Plataforma que dá acesso à estação de metrô da Pavuna

Plataforma inclinada em manutenção na estação de metrô da Pavuna

Plataforma inclinada em manutenção na estação de metrô da Pavuna

Banheiro feminino em manutenção na estação de metrô da Pavuna

Banheiro feminino em manutenção na estação de metrô da Pavuna

Disputa por assento em metrô na estação de Botafogo

Disputa por assento em metrô na estação de Botafogo

O Metrô Ideal para o estado do Rio de Janeiro

Atualmente, o metrô do Rio de Janeiro é gerido pela concessionária MetrôRio, que é controlada pela Invepar. Estagnada desde que o Rio sediou as Olimpíadas, em 2016, a expansão do metrô é competência do governo do estado. É também de responsabilidade do estado a instalação de dispositivos que facilitam a acessibilidade do usuário, como elevadores. A Pavuna, apesar de ser a segunda estação que mais arrecada para o metrô, não conta com esse aparato. Por outro lado, a estação Antero de Quental, localizada no Leblon e a décima terceira em número de passageiros transportados, tem elevador à disposição. 

O especialista em mobilidade do MetrôRio Pedro Sabino disse não haver perspectiva de diminuição dos intervalos: “A redução do intervalo do metrô, no nosso caso, depende de atribuições do governo, por exemplo, ter mais trens para fazer um carrossel mais rápido, fazer modificações dos sistemas de controle e sinalização”. Além dessas questões, Pedro Sabino também apontou para a subordinação das linhas aos intervalos dos trechos combinados. Isso é resultado do trecho compartilhado entre as estações Central e Botafogo, que é usado tanto para a linha dois, que finda na Pavuna, como para a linha um que finda na Uruguai.

Para Vitória,  a melhora do metrô passa por questões como mais investimento no trem.  Ela imagina um metrô ideal diferente do atual:

“Um futuro legal para o metrô é a estatização dele, é a gente ver intervalos mais frequentes, em mais bairros, com uma tarifa muito mais acessível, integrado não só aos espaços da Zona Sul, que a gente veja o metrô na superfície, que é o ônibus do metrô, em outros lugares”. 

Para a urbanista Luciana Gennari, “a solução de fato é uma expansão dessa malha que não pende somente ao lado econômico, pensando no conforto do usuário também. Metrô é investimento, não gasto”. Ela julga que a cobrança por transporte público de qualidade deve partir da população e, assim, pressão do Estado por cláusulas e acordos com a concessionária que devam ser cumpridos e fiscalizados. 

Vitória finalizou: “Isso só se soluciona quando a gente entender que o transporte não é uma mercadoria, é um direito”.