O futuro incerto das bancas de jornal

Tradicionais pontos de venda buscam alternativas para se manter na Era Digital

Em meados dos anos 1860, o imigrante italiano Carmine Labanca monta um ponto fixo de comercialização de jornais avulsos na Rua da Alfândega, no Centro do Rio de Janeiro. A ideia se populariza por todo o país, e o que eram barracos de madeira, transformam-se em quiosques bem estruturados. Para atender à alta demanda, os produtos vendidos se diversificam, mas o foco continuava sendo o mesmo: a venda de jornal impresso. 


Cem anos depois, Lúcio Costa reinventa a forma de morar com o projeto do Plano Piloto brasiliense. Quatro escalas – Monumental, Gregária, Bucólica e Residencial – compõem uma nova concepção de conjunto urbano e favorecem um modo inovador de estar na cidade. A Escala Residencial é a que engloba o conceito inédito de Superquadra, um grande quarteirão pensado para o convívio social. Em meio a prédios residenciais, há escolas, bibliotecas, clubes, igrejas e outros equipamentos urbanos, como as bancas de jornal. 

A primeira de Brasília foi a da Superquadra 108 sul, inaugurada em fevereiro de 1960, por Lourivaldo Marques (86), um baiano que, assim como o italiano Labanca, saiu de sua terra natal para tentar a vida em outro lugar e encontrou na venda de notícias uma forma de sustento. “Também sou um desbravador, então decidi montar a banca, já que não tinha nenhuma”, conta. 

Apesar de resistir há mais de seis décadas, o estabelecimento icônico não é mais o mesmo. Com a baixa demanda por jornais ou revistas impressos, além da banca de Lourivaldo, diversas outras estão se parecendo, cada vez mais, com lojas de conveniência. O ponto de encontro que a vizinhança utilizava para tomar um café e ler as notícias do dia tem perdido a funcionalidade.


O pequeno empresário acredita que o declínio começou há pelo menos 10 anos e ocorre dia após dia. Para ele, a proposta original do que seria a verdadeira banca está em seu “pico de baixa”. Lourivaldo fala sobre o que percebeu ao longo dos últimos tempos: “O movimento caiu 70 por cento. A internet interferiu muito no movimento cultural. A gente vende mais palavras cruzadas, gibi da Mônica e revista de super-herói”.


O lento desaparecimento das bancas deixou as quadras do Plano ainda mais silenciosas. “Antigamente, fazia fila aqui. Sinto saudades”, relembra o primeiro jornaleiro da cidade de Brasília. Comprar o jornal pessoalmente, sentir o cheiro da tinta fresca, sujar os dedos e ainda comentar sobre a economia brasileira com o morador do prédio à frente será uma experiência analógica que gerações mais novas provavelmente não irão viver.

Na quadra acima da 108 sul, na 308 sul — também conhecida como “quadra modelo”, por ser referência no conceito de Superquadra — a pequena loja na entrada do complexo residencial chama a atenção pelos artigos expostos. Num dos maiores referenciais de arquitetura modernista brasiliense, uma butique comercializa produtos ligados à cultura local, mas nem sempre foi assim. A Banca da Conceição era uma banca de jornal antes de ser comprada por duas iniciativas privadas, que reestruturaram totalmente o seu conceito inicial. 

Samara Monteiro (23) começou a trabalhar na loja há pouco tempo, mas já percebe que são os turistas que frequentam mais o lugar. Quando perguntada sobre sua identificação com os produtos vendidos, sendo natural de Brasília, ela responde que não se identifica tanto. “Se eu trabalhasse numa banca de revista, eu provavelmente me identificaria mais. Eu assinava várias quando era mais nova, sempre gostei bastante.” 


Segundo Pedro Grilo (39), arquiteto e conselheiro titular do CAU/DF (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal), os novos usos atribuídos às bancas precisam ser mais discutidos pelo Plano de Conservação Urbanístico de Brasília (PPCUB). Mas ele diz que não há nenhum risco de desaparecimento total. “As bancas não vão desaparecer, serão sempre pontos comerciais. O CAU atua para que haja manutenção das principais características da cidade, incluindo as banquinhas”, explica.

Ainda que a utilidade venha variando, Grilo acredita que a banca como espaço de socialização ainda é uma característica importante a ser considerada: “É interessante pensar nela como esse ponto de congregação social. Porque é o único ponto comercial implementado dentro de uma Superquadra”.

Pessoas que sempre frequentaram os arredores notam que as novas propostas, que vieram ao longo dos anos, devido à rápida mudança que a revolução digital gerou, transformaram a relação da vizinhança com a banca. As memórias afetivas se misturam com a percepção atual, evidenciando o laço que os brasilienses possuem com pequenos metros quadrados que custam resistir à pressão de um tempo acelerado, um tempo que não permite mais tanto a contemplação de palavras no meio de uma tarde qualquer. 


Júlia Silva (27) se mudou recentemente para a 103 sul, mas o carinho que ela tem com a banca de sua quadra não é de hoje: “Era um ritual familiar, uma tradição dos domingos. Quando íamos almoçar no restaurante da comercial, parávamos o carro em frente à banca para que eu comprasse, quando criança, um gibi, e mais adolescente, uma revista”.

Ela diz que sua relação com essa banca mudou muito quando o acesso facilitado à internet permitiu que ela acessasse os conteúdos das revistas em sua casa. Mas, agora como moradora do lugar que frequentava apenas aos finais de semana, ela nota que a banca de sua infância conseguiu conciliar as demandas do mundo contemporâneo com o ritmo desacelerado de uma banca de jornal, justamente por incentivar a comunhão entre as pessoas. “Eles são fortes no comércio de alimentos. Sempre que passo por lá vejo alguém comendo um pedaço de bolo, tomando um suco. É simples, mas esse movimento dentro da banca acaba incentivando as pessoas a consumir as mídias impressas”, deduz.  


Para a arquiteta, a estrutura dos apartamentos desta quadra também é um fator importante para a resistência da banca: “Quando há uma diversificação na tipologia dos apartamentos, ou seja, quando se tem apartamentos desde um quarto até apartamentos com quatro quartos, na mesma quadra, o que não acontece tanto nas Superquadras de Brasília, público de diferentes poder aquisitivo consomem no mesmo local, diversificando seu uso”. 

Segundo Júlia, a diversidade impacta o fluxo da banca de jornal, porque é a partir dela que o comércio, como um todo, se adapta e supre às necessidades de pessoas diferentes. “Eu enxergo a transformação da banca da 103, ao longo dos anos, de forma muito positiva e necessária para a vivência da quadra.”, conclui.