Na Barreira eu vou festejar.

A data de 22 de junho durou 91 dias para a torcida do Vasco da Gama. Foram 3 meses que separaram o cruzmaltino de sua torcida, desde a partida contra o Goiás, válida pela 11° rodada do Campeonato Brasileiro de 2023. Após derrota amarga por 1x0, confusão dentro e nos arredores do Estádio de São Januário resultou em punição em âmbitos jurídicos ao clube; a interdição do estádio e a proibição de público nos jogos seguintes significou muito mais do que as quatro linhas de um campo de futebol podem explicar. Com o fim da punição, o Vasco voltou.

Dado como rebaixado ainda no primeiro turno, o Vasco depende só de si na última rodada do campeonato para se livrar da degola, embalado numa sinergia que tem tudo a ver com o que é o clube. Nesta quarta-feira, o cruzmaltino enfrenta o Red Bull Bragantino em casa, com ingressos esgotados em questão de horas, como tem sido em todos os últimos jogos. A vitória, se conquistada, não só põe fim ao sofrimento que o torcedor vascaíno passou durante o ano, mas também marca a virada contra o elitismo. 

O que significa São Januário?

O Estádio de São Januário foi inaugurado em 21 de abril de 1927. À época, o maior estádio da América Latina foi uma resposta às imposições da elite do futebol carioca depois de título carioca inédito do cruz-maltino em 1923. O imortalizado esquadrão dos Camisas Negras era representado por jogadores que não faziam parte do grupo seleto que praticava o esporte no início do século XX. Do contrário, eram operários, negros, do proletariado, com sobrenomes de tão pouco prestígio em meio ao Rio de Janeiro dos Guinle.

A história é conhecida: após o título, veio a cisão da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, e a consequente criação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). Clubes fundadores impuseram como exigências para o Vasco participar da seguinte edição do Campeonato Carioca, a não inscrição de 12 atletas do seu elenco. A recusa e a honra foram eternizados na Resposta Histórica, ofício assinado pelo então presidente José Augusto Prestes, quando o clube escolheu por desistir de fazer parte da Associação.

O esvaziamento dos estádios no Campeonato Carioca de 1924 e a perda daquela popularidade que o Vasco antes levava ao torneio foram fatores que influenciaram os clubes a dar um passo atrás na decisão de incorporar o cruz-maltino nas competições, com a condição de construir um estádio próprio. Depois de arrecadação popular, em 10 meses o Estádio era inaugurado, num terreno em área periférica de São Cristóvão, bairro da Zona Norte carioca.

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Crescimento dos arredores e Barreira do Vasco

O entorno abraçou o Vasco, e atualmente, duas comunidades fazem parte da rotina do clube. A Barreira do Vasco e o Tuiuti são comunidades vizinhas do estádio e são diretamente impactadas positivamente pelo fluxo de pessoas em dias de jogo. Seja nas mercearias, nos bares ou nos ambulantes, o torcedor vascaíno está fazendo a diferença para a economia local. Atualmente, a Praça Carmela Dutra, porta de entrada para a Barreira, é um dos principais pontos de encontro de torcedores, antes da entrada nos portões 5 e 9 de São Januário.

A passagem pela Rua Ricardo Machado em dias de jogo dá conta de que o comércio da região ferve. “Não tem nada melhor para a economia da comunidade do que o jogo do Vasco”, diz Marcelo, vendedor de churrasquinho e morador do Tuiuti, que faz ponto na esquina da Rua Ricardo Machado com a Avenida Roberto Dinamite em todos os jogos.

Estampidos; o bairro em silêncio


O que motivou a decisão pela interdição de São Januário teria sido, além do episódio de confusão generalizada no jogo da 11° rodada, a proximidade com do estádio com as comunidades, e seus problemas de circulação externa. O parecer do juiz de plantão Marcelo Rubioli, do Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos dá conta de que o estádio estaria comumente associado a situações de insegurança. “Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, partindo da área externa à interna, vê-se que todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde houve comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado o que gera clima de insegurança para chegar e sair do estádio”, comenta. “São ruas estreitas, sem área de escape, que sempre ficam lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio”, escreveu o juiz.

A volta da Barreira do Vasco

Depois da pressão de veículos midiáticos, a repercussão negativa da interdição do estádio chegou aos olhos de representantes dos cenários político e judiciário brasileiro. O Ministério Público, que antes havia ratificado a decisão do então juiz de plantão Marcello Rubioli, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Vasco para viabilizar a liberação do Estádio para receber eventos esportivos com a presença de torcedores. Entre os principais pontos destacados para a reabertura, estava a implementação de um sistema de biometria facial para a entrada dos fãs e o reordenamento do espaço exterior do estádio em dias de jogos. 

A volta foi celebrada em vitória contra o Coritiba, em partida válida pela vigésima quarta rodada do campeonato. O placar de 5x1 ficou em segundo plano para uma torcida que celebrava uma vitória ainda maior. A ilustração de um torcedor negro segurando uma faixa com a palavra “resistiremos”, com a representação de uma comunidade ao fundo, ganhou destaque no noticiário nacional. Nos bastidores disso tudo, havia a esperança por dias melhores de populares que haviam perdido parte do fruto de seus rendimentos com o fechamento do estádio.

Vânia Rodrigues, que esteve à frente da luta como Presidente da Associação de Moradores da Barreira, celebrou: “Foram semanas de angústia e muita luta. Nos humilharam e tentaram nos excluir mais uma vez. Não conseguiram.” Vaninha também lançou seu convite para os vascaínos participarem dos momentos pré-jogo nos arredores da comunidade, consumindo do comércio local: “Agradecemos a todos que estiveram ao nosso lado e convidamos para a festa na Barreira, que é o melhor pré-jogo do Brasil”.

A um jogo do fim do Campeonato, o Vasco chegou junto aos seus torcedores ao posto de melhor mandante do returno. Celebrando a sinergia entre clube e população, a torcida espera, após os 90 minutos protocolares da partida contra o Red Bull Bragantino, poder celebrar a música que marca os finais de jogos em São Januário, com “Na Barreira eu vou festejar”, numa campanha que por si só já é mais uma das grandes viradas históricas do Club de Regatas Vasco da Gama. O time só depende de uma vitória simples para selar sua permanência na divisão de elite do futebol brasileiro, mas contando com derrotas de Bahia ou Santos, pode perder ou empatar para se manter fora da zona de rebaixamento.