Mulheres cis hétero passam a ter acesso à PrEP
Oferecida gratuitamente pelo SUS, a Profilaxia Pré-Exposição é um tratamento preventivo ao HIV

"“Sempre fui irresponsável e, mesmo me cuidando quanto às gestações não desejadas, não é o suficiente para diminuir o risco de infecções sexualmente transmissíveis”
- Miriam Generoso, 37 anos
De acordo com os dados de 2019 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 59% das pessoas com mais de 18 anos afirmam não usar preservativo nenhuma vez em relações sexuais; 22,8% relataram usar em todas e 17,1% afirmaram usar às vezes. Entendendo esse comportamento como de risco, cada vez mais pessoas estão procurando maneiras de se sentirem seguras e a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) é uma delas. Em todo o País, já são mais de 73 mil pessoas fazendo uso do tratamento preventivo.
“Quando fui procurar saber para ter acesso à PrEP, me informaram que era destinada a pessoas LBTQIAP+ e garotas de programa”, relembrou Miriam dos Santos Generoso, de 37 anos. A carioca teve conhecimento sobre a Profilaxia Pré-Exposição aos 33, mas só pôde iniciar este ano o tratamento preventivo, que consiste em ingerir dois medicamentos antirretrovirais (ARV) diariamente para não correr risco de ser infectado pelo vírus do HIV. No Brasil, 73.537 pessoas fazem uso da PrEP, um aumento de 45% quando comparado a 2022. A meta é expandir o uso da PrEP no Brasil em 300%, o que alcançaria mais de 200 mil brasileiros. As informações são do Ministério da Saúde.
Miriam é uma mulher negra cisgênero e heterossexual com pós-graduação que, atualmente, não tem parceiro fixo e é extremamente sincera quanto ao motivo de sua procura pela PrEP. “Sempre fui irresponsável e, mesmo me cuidando quanto às gestações não desejadas, não é o suficiente para diminuir o risco de infecções sexualmente transmissíveis”, reflete. A verdade é que Miriam não é uma exceção, é a regra.
Inicialmente, o acesso ao medicamento foi difícil. Ao demonstrar interesse e perceber que não fazia parte do público alvo, Miriam aguardou, assim como outras mulheres que se encaixam no mesmo perfil, o momento em que chegaria sua vez - não sabendo nem se chegaria. Uma das alternativas que eram utilizadas por algumas pacientes era mentir sua orientação sexual; de hétero para bissexual ou lésbica. Mas Miriam só aguardou. “Cheguei a receber uma indagação de cunho moralista por uma enfermeira”, revelou.
Após tanta espera, Miriam finalmente se sente mais segura por estar em PrEP e confessa que, agora, alguns anos depois, o comportamento dos profissionais de saúde está mais neutro. “Não sei se é porque eu chego na clínica da família decidida, mas não tenho recebido olhares de julgamento ao pegar o medicamento. E estou finalizando agora o meu primeiro mês, entrando no segundo”, conta ela, que pretende seguir mesmo quando se casar. “E indicarei ao meu parceiro que tome também.”
Especialista reforça PrEP como ganho para a Saúde Pública
Mariana Andrade, enfermeira especializada em Saúde do Adolescente e Enfermagem Clínica pela UERJ, vê o uso da PrEP como um ganho para a Saúde Pública. “Enquanto profissional de saúde que trabalha com a população mais vulnerável, principalmente na minha área de atuação de direitos sexuais e reprodutivos, eu vejo o uso da PrEP para toda a população - principalmente a população adolescente, a partir de 15 anos - como uma conquista.”
A especialista, que focaliza sua pesquisa entre saúde e raça no Brasil, explica que o ato de tomar o medicamento não se reduz a isso. “Precisamos entender que, ao tomar a PrEP, a pessoa vai ter um acompanhamento multidisciplinar e de forma mais criteriosa. A cada três ou seis meses, vai ser realizada a testagem para HIV, além do acompanhamento de um nefrologista para verificar o funcionamento renal e um hepatologista para o fígado, já que é onde o medicamento antirretroviral é sintetizado”, detalhou a avaliação, que também inclui orientação sobre o uso do preservativo e de estar com a vacinação em dia.
Mas, ela alerta: “Se a pessoa não quiser mais fazer uso da PrEP e ficar só com a camisinha, ela pode parar a qualquer momento. No entanto, é necessário entender que, enquanto eu faço uso desse medicamento, eu preciso tomá-lo todos os dias”.
Quanto às pessoas que não podem fazer uso da PrEP, estão pessoas que já convivem com o HIV, crianças e adolescentes com menos de 15 anos e com peso inferior a 15kg, destacou. Para Mariana, é importante entender o avanço dos últimos 40 anos para pessoas soropositivas. “A adesão ao tratamento conseguiu trazer qualidade de vida para as pessoas que convivem com o HIV.”
Brasil cumpre sua meta no tratamento ao HIV
Nos últimos 10 anos, o coeficiente de mortalidade por AIDS teve uma queda de 25,5%, passando de 5,5 para 4,1 óbitos por 100 mil habitantes. Mas o número de infectados ainda é considerado alto: mais de 1 milhão de pessoas vivem com o HIV hoje no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde.
Um outro dado relevante apresentado no mês passado é que, desse total, 90% (900 mil) foram diagnosticadas, um total de 81% (731 mil) das que têm diagnóstico estão em tratamento antirretroviral e 95% (695 mil) de quem está em tratamento antirretroviral têm carga indetectável do vírus.
Tive uma relação de risco e não uso PrEP, e agora?
Diferente da PrEP, que é um tratamento contínuo, a PEP (Profilaxia Pós Exposição) é uma medida de prevenção de urgência para ser utilizada em situação de risco à infecção pelo HIV, como o sexo desprotegido ou caso de estupro. Existem também profilaxias específicas para o vírus da hepatite B e para outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). No caso da PEP, que também é oferecida gratuitamente pelo SUS, são utilizados os mesmos medicamentos da PrEP, que devem ser ingeridos somente por 28 dias.
A pessoa com suspeita de ter tido uma relação de risco deve iniciar o tratamento em até 72 horas, procurando um CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) ou uma clínica da família.