Morrer é para todos?

Morrer é para todos. Porém, cremações ou qualquer outra forma de dizer adeus a seus entes queridos, pode não ser para todos. Dados mostram que o valor médio de um enterro pode chegar até 3 mil reais. 

A morte pode ser um assunto evitado por muitas pessoas, seja por medo, falta de interesse ou simplesmente porque não querem lidar com essa realidade. No entanto, em algum momento, todos nós teremos que enfrentá-la. E quando ela chega de surpresa para um ente querido ou alguém conhecido, percebemos o quão caros são os valores de um simples funeral. Como foi o caso de Ana Benevides, de 23 anos, que morreu após uma parada cardiorrespiratória no show da cantora Taylor Swift. Ela não era do Rio de Janeiro, foi necessário fazer o traslado do seu corpo de volta para sua cidade natal, Sonora, interior do Mato Grosso do Sul. O custo para realizar o transporte e a cerimônia do enterro era em torno de 30 mil reais, o que levou a família a precisar fazer uma vaquinha online para arrecadar fundos e despedir-se de Ana da forma que ela merecia.

Caso semelhante é o de Cíntia Faria, que aos 44 anos descobriu ter um câncer de mama em estágio avançado. Na tentativa de tornar o processo o mais confortável possível para ela e sua família, Cíntia decidiu pagar um plano funerário, visando resolver todas as questões após seu falecimento. No entanto, a família não esperava que o plano não cobrisse todos os gastos necessários, fazendo com que eles se reunissem para encontrar uma solução para o restante do pagamento. "O plano funerário cobriu uma parte, mas minha família teve que desembolsar 2 mil reais, divididos entre 15 parentes", afirma Nathalia Barros, prima de Cíntia.


Nathalia Barros, prima de Cintia

Nathalia Barros, prima de Cintia

O plano de Cíntia cobria apenas uma parte dos serviços prestados normalmente pelas funerárias, como embalsamento e preparação do corpo. O caixão e as demais atribuições foi a família de Nathalia que precisou arcar. Muitos acreditam que os planos funerários são a melhor maneira de se preparar para a morte. Mas vale a atenção na hora de contratar esses trabalhos, para não passar o susto que a família de Cíntia viveu.

De acordo com a Associação Brasileira de Empresas e Direitos do Setor Funerário (Abredif), o custo médio de um enterro no Brasil pode chegar a 2.500 reais. Em 2017, o valor médio era de 1.800 reais. Houve um aumento de 177,7% em comparação a 2021, período em que a pandemia de Covid-19 fez com que os preços triplicassem. No Rio de Janeiro, um crematório comum, que inclui capela ecumênica, caixa de cinzas padrão e todos os procedimentos necessários, custa 2.761,43 reais. Já os crematórios sociais, que não incluem a capela e outros serviços mais completos, têm o valor de 1.299,32 reais. Esses valores ainda não incluem a tarifa da câmara fria - local onde o corpo fica armazenado até a cremação - que custa 357,39 a diária. Assim como outros serviços adicionais como a expedição de certidões, transporte do corpo para outros municípios, sepultamento, registros em lápides e jardinagem.


A prefeitura oferece gratuidade nos serviços funerários para famílias carentes, hipossuficientes e indigentes. Basta procurar os cemitérios administrados pela Rio Pax ou Reviver e apresentar documentos que comprovem a vulnerabilidade financeira para obter o benefício. Além da pessoa falecida, o benefício também se estende ao cônjuge ou companheiro, bem como aos seus sucessores de até o 4º grau, desde que atendam a critérios específicos, como ter renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa no núcleo familiar ou ter renda mensal total de até três salários mínimos, incluindo a renda da pessoa falecida. Pessoas em situação de rua, sozinhas ou com família, também podem se enquadrar nesses critérios.


A contaminação e descaso vivido pelos cemitérios


A construção de cemitérios em locais inadequados e a falta de tratamento dos fluidos de decomposição têm gerado preocupação entre especialistas, que alertam para os riscos do necrochorume. Esse é o caso do cemitério de Inhaúma, administrado pela Rio Pax, que passa por um momento de falta de controle do estado, de acordo com Gisele Penido, engenheira ambiental e especialista em contaminação de cemitérios.

A engenheira relata que ao entrar no cemitério, sua imponência causa uma boa impressão, mas essa fachada começa a ruir a cada lápide. “Andando por lá, tropecei em uma ossada”. Ela também fala da existência de sepulturas abertas, caixas de ossos expostas – em vez de armazenadas em locais apropriados – e um acúmulo preocupante de necrochorume. "Os cemitérios deveriam coletar esse necrochorume, armazenar e tratar em um local apropriado, mas não foi isso que eu vi lá", afirma.


O necrochorume é um líquido liberado pelos corpos em processo de decomposição, que contém substâncias tóxicas, como a putrescina e a cadaverina. “Como esse líquido não é corretamente coletado, ele acaba se infiltrando no solo e pode chegar ao lençol freático, causando a contaminação da água utilizada pelos moradores da região”, explica.

Os moradores da favela do Rato estão especialmente preocupados com a possibilidade de contaminação. Em um dos comentários do vídeo publicado por Gisele, uma internauta relata que seu tio não tem coragem de consumir alimentos preparados nas casas que ficam próximas ao cemitério, temendo a contaminação da água. Isso ocorre porque as tubulações das residências passam por baixo do local.

Gisele afirma ter denunciado todas as irregularidades ao Ministério Público do Rio, e acredita que a única forma de contornar essa situação e impedir um acidente ambiental e de saúde, é aplicando multas à prefeitura da cidade, baseando-se na lei N°39.094/2014, que visa a regulamentação dos cemitérios.


O Ministério Público do Rio de Janeiro ainda não se pronunciou sobre o caso, mas os moradores da favela do Rato aguardam atentos por uma solução que garanta a segurança e a qualidade de vida na região.