Inclusão no futebol

Luta para driblar o preconceito e as dificuldades

Desert plains beneath a blue sky

Seleção brasileira masculina de surdos, em 2019

Seleção brasileira masculina de surdos, em 2019

ão é só futebol. O esporte que move a vida de milhões de pessoas ao redor do nosso país é essencial também fora das quatro linhas. Além disso, tem importante papel na inclusão social. Atualmente, é possível ver surdos, mudos, cegos e amputados competindo ao redor do Brasil. Apesar da causa ganhar maior visibilidade nos Jogos Paralímpicos, há pessoas que fazem a engrenagem destes esportistas girar diariamente. Uma delas é Cristina Lima, técnica e ativista no futebol de pessoas com deficiência. 

A fundadora do Instituto Esportivo Estrela Nova, projeto social que acontece no Aterro do Flamengo e envolve crianças, jovens e adultos - surdos, ouvintes e amputados -, criado em 2009, se enche de orgulho: "Estou plantando sementes. Satisfação muito grande por fazer parte disso. É bom demais ver que as pessoas estão enxergando esses segmentos que, normalmente, são separados. É um trabalho que tem que ser visto por todo mundo. A galera merece".

O esporte, de modo geral, é peça importantíssima na inclusão social. No Brasil, muitas pessoas declaram apoio a vários projetos, mas a maioria da população não coloca a mão na massa para mudar o panorama geral dos cidadãos com deficiência. Além disso, diversos projetos não contam com a ajuda do governo, um dificultador iminente. 

Sem o auxílio do Estado, o Instituto Esportivo Estrela Nova necessita de doações e muita dedicação de Cristina para sobreviver. Para quem vê de fora, pode parecer um projeto milionário, com forte engajamento, mas, na verdade, a fundadora conta com o auxílio de amigos e dos próprios atletas para manter as ideias de pé: "Correria sempre".

Além dos próprios times do Estrela Nova, é preciso sustentar também os grandes eventos que visam promover uma integração ainda maior entre diversos grupos de pessoas com deficiência. "Amigos contribuem. Tem uma galera que me acompanha, que gosta do meu trabalho e que me ajuda bastante. Com isso, ficamos na dependência dos nossos próprios atletas e amigos. Sou secretária de dentista e ganho um salário mínimo. Então, se você for me imaginar fazendo o que faço, ninguém acredita. Dependemos muito de doações e de quem queira ajudar", afirma. 

O projeto de Cristina Lima começou pelos surdos. Ela, inclusive, foi treinadora da seleção brasileira masculina de surdos, em 2019. Desde então, caminha junto deles e chegou a ampliar o alcance de suas ideias para outras pessoas. "Tive uma grande história com os surdos. Cheguei a ficar à frente da Seleção masculina. Dois anos atrás conheci os amputados e, em 2022, fundamos a equipe Estrela Nova de amputados também", explica.

Um dos destaques do time de amputados é o peruano Ângelo Morote, de 61 anos, que, além de titular no ataque, luta fora dos gramados diariamente pelos direitos das pessoas com deficiência.

Ângelo Morote, de 61 anos, é peruano naturalizado brasileiro

Ângelo Morote, de 61 anos, é peruano naturalizado brasileiro

Cristina também promove eventos onde reúne todos em um mesmo espaço, contribuindo para uma verdadeira inclusão social. No Aterro do Flamengo, já organizou jogos entre pessoas trans, surdos, amputados e anões. “Fazemos um trabalho recreativo, mas também com metodologia. Não abrimos mão disso”, garante a treinadora. 

Infelizmente, a causa passa despercebida por muitos no Brasil. A época de maior visibilidade dos esportes praticados por pessoas com deficiência é nos Jogos Paralímpicos, que acontecem de quatro em quatro anos. O futebol de cegos, por exemplo, gera grande audiência ao longo da competição, assim como o atletismo e a natação, mas não contam com grande audiência e repercussão fora dos Jogos. A grande maioria, para falar a verdade, nem sabe quem são os atletas que representam a Seleção. 

Zico, em encontro com os jogadores do Estrela Nova

Zico, em encontro com os jogadores do Estrela Nova

Entretanto, tem pessoas que, de fato, se engajam nos projetos e auxiliam a causa. Arthur Antunes Coimbra, o Zico, maior ídolo da história do Clube de Regatas do Flamengo, contribui bastante para a modalidade incentivada por Cristina no Rio de Janeiro. "No fim de 2021 fizemos um trabalho no Centro de Futebol Zico, o CFZ. Temos o carinho do Zico com os deficientes, no Estrela Nova também. Ele sempre cede o espaço para que possamos fazer as nossas atividades”, conta. “Fizemos também o encontro das estrelas com todo o pessoal. É a inclusão de verdade, quando você insere todos eles no mesmo contexto e trabalha as mesmas coisas". 

O Brasil precisa de mais pessoas como o Zico, que não só gostam do projeto, mas que fazem de tudo para que seja mantido de pé e, inclusive, cresça cada vez mais. Muitos dos atletas têm, certamente, o camisa 10 como ídolo no futebol. Encontrá-lo foi, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da vida da maioria dos integrantes do Estrela Nova. 

"Fazer com que essas pessoas que abraçamos possam estar inseridas na sociedade como um todo é meu principal objetivo”, assegura Cristina Lima. No fim, o mais importante é, de fato, dar a essas pessoas a oportunidade de sorrir, se divertir através do esporte e de, principalmente, se sentirem incluídos na sociedade.

Uma ida ao Aterro do Flamengo para praticar uma atividade física com os amigos e com a treinadora faz diferença na semana dos atletas. Além dos treinos, ocorrem os jogos, gerando uma socialização ainda maior nos gramados e muito além das quatro linhas: “No futuro, desejo que possamos abraçar muito mais pessoas e que tenhamos mais apoio”.