Brasil tem programa único para estimular jovens cientistas

Mais de 35 mil bolsistas de Iniciação Científica estão desenvolvendo pesquisa ainda na graduação

Imagine um rapaz que, aos 19 anos, já é um cientista. Ele é apenas um estudante de Física, no segundo ano da graduação, mas já conduz sua pesquisa independente, estudando as propriedades básicas do grafeno. Ele usa o laboratório da sua universidade, onde tem acesso a alguns dos equipamentos mais avançados da nanoscopia. Essas ferramentas lhe permitem analisar as amostras em uma “resolução” nunca antes vista. E, por isso, fazer descobertas fundamentais para o campo da física de materiais. Ele é orientado por um pesquisador internacionalmente reconhecido, cujo trabalho já estampou até a capa da revista Nature - o mais famoso periódico científico do mundo. Esse é um currículo impressionante para alguém tão jovem. Será que essa é a história de um personagem de ficção científica? Ou então, certamente, estamos falando de um gênio de Harvard. Talvez um aluno excepcional de uma universidade de ponta em Tóquio? Um estudante alemão?.

Não. Esse é André Gustavo Pereira, que nasceu em Matosinhos, no interior de Minas Gerais, e, agora, estuda na universidade federal do seu estado. E, não, ele não é um ponto fora da curva. Milhares de estudantes brasileiros, como ele, têm a oportunidade de fazer pesquisa já na graduação. Desde 1988, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) investe na formação prática dos jovens pesquisadores para estimular a produção de ciência no país. Em 2023, o programa contemplou mais de 35 mil alunos de instituições públicas e privadas, que atuam em todas as áreas, desde a física até a filosofia. Mas, afinal, o que é a Iniciação Científica (IC)?

É exatamente o que o nome diz: um programa que insere o acadêmico na pesquisa, pela primeira vez. A ideia é que o aluno desenvolva experimentos e descobertas  de forma independente. Para quem não conhece, isso pode soar muito como as aulas práticas nos cursos de exatas, mas André garante que é uma experiência completamente diferente. As aulas de laboratório previstas no currículo propõem temas e experimentos pré-definidos. “Tem o roteiro exatamente do que fazer.” Já na IC, os bolsistas podem se dedicar aos seus interesses específicos e, para isso, precisam se virar nos trinta. É claro que contam com um suporte de seus orientadores e colegas, mas não tem um passo-a-passo para seguir. É a ciência para valer. “Se deu um problema no equipamento, eu tenho que aprender como resolver”, exemplifica.

Equipamento do laboratório utilizado por André.

O contato com outros pesquisadores também é um aspecto importante da experiência. A ciência, afinal, é uma construção coletiva. Enquanto prepara as amostras na sala molhada (onde ficam os reagentes químicos), processa dados nos computadores ou leva as máquinas para o “mecânico” (na sala de eletrônica), André convive com alguns dos grandes cientistas do seu campo. Divide a bancada com mestres e doutores. “Uma das coisas que eu mais gosto do laboratório é estar perto deles.” Além de construir importantes relações profissionais e receber bons conselhos, simplesmente observar os cientistas mais experientes trabalhando já é um grande aprendizado. Quando tem sorte, consegue até dar uma ajudinha para calibrar os aparelhos ou registrar resultados. E tudo isso é parte do processo. O jovem pesquisador resume a experiência assim: “Estou aprendendo a realmente fazer ciência”.

E a Iniciação Científica se estende para muito além das paredes do laboratório. Abre as portas para todo o ecossistema da comunidade científica. Leva os alunos a frequentarem congressos, publicarem artigos, apresentarem sua pesquisa e se tornarem, de fato, parte de uma rede de pesquisadores. E não só por convidá-los para esses espaços, mas também oferecendo os meios materiais para que possam alcançá-los. O valor das bolsas - reajustado, neste ano, para 700 reais - apesar de ser insuficiente para sustentar um estudante, pode fazer a diferença na compra de uma passagem para ir a um simpósio. 

Na primeira vez em que foi apresentar sua pesquisa, no Encontro de Outono da Sociedade Brasileira de Física, André já estabeleceu contatos. Um deles foi Matheus Esteves. O físico carioca tem 31 anos e é pesquisador da IBM Research, uma das maiores multinacionais do mercado de ciência e tecnologia. Ele faz um doutorado com ênfase na mesma área de atuação do seu jovem colega: a nanotecnologia. E, por isso, conversaram um pouco sobre suas carreiras. “Ele me indicou uma escola de verão sobre computação quântica, uma área que eu gosto”, conta André. “Fui lá só para apresentar um pôster e depois saí para fazer o curso.” 

Evento da Sociedade Brasileira de Física

Matheus também é um fruto da Iniciação Científica. Foi bolsista do PIBIC nos seus anos de UFRJ e, dez anos depois, reflete sobre os impactos do programa na sua vida profissional e no panorama científico do país. “Eu entrei na IC no segundo período da faculdade e comecei a trabalhar no laboratório e participar do dia-a-dia. Aprendi a fazer os experimentos, as técnicas. Meu projeto foi crescendo e passei a faculdade quase inteira ativamente trabalhando com pesquisa.” Por isso, quando entrou no mercado de trabalho, já estava confortável com a rotina de um pesquisador. E isso, nos conta, é uma experiência singular da educação brasileira.

Ele tem familiaridade com o meio acadêmico internacional, tanto pelo convívio com colegas de trabalho de diversos países, quanto pela experiência de um intercâmbio na Inglaterra durante a graduação. Conta que no exterior não existe nada comparável ao nosso sistema de Iniciação Científica. Lá fora, os alunos entram em contato com a prática apenas nas aulas de laboratório. Ou, em alguns casos, nos estágios de verão - programas de curta-duração oferecidos nas férias. Então, são muito menos preparados para o fazer trabalho científico em si. “Uma coisa que é muito comum é as pessoas ficarem perdidas quando entram no doutorado, grande parte não tem experiência em pesquisa, em laboratório”, observa. “Aqui não, o aluno aprende a se virar ainda na graduação. Depois, a complexidade aumenta, mas a base já está lá."

Enquanto política pública, Matheus acredita que o PIBIC é essencial para democratizar a ciência. “Vamos ser honestos aqui, é uma área extremamente elitista”, ressalta. “Por que? Porque você fica longe do mercado durante dez anos, da faculdade ao doutorado, ganhando muito pouco. Muitas vezes só consegue ficar se tiver uma família para te bancar.” Então ter acesso à pesquisa ainda na graduação, principalmente com o suporte financeiro das bolsas, pode ser o divisor de águas na vida de um jovem cientista menos privilegiado. A partir daí, se abrem portas que viabilizam uma carreira sustentável. “O programa de IC é um achado para o Brasil”, conclui.