A vida após a aposentadoria
Realidades que vão muito além do simples repouso

No Brasil, o trabalhador médio se aposenta com cerca de 65 anos. Já a expectativa de vida, de acordo com o IBGE, é de 76 anos. Sendo assim, a pessoa que se aposenta na média brasileira vive em torno de 10 anos depois de parar de trabalhar. Esse intervalo é comumente atrelado ao descanso. Mas é muito tempo para apenas relaxar. E este é o grande problema. O que fazer durante esse longo período? Mesmo que o aposentado não continue a mesma vida ativa que tinha antes, ficar em casa sem fazer nada é uma realidade fantasiosa. Destinar o tempo que sobra a certas atividades é uma necessidade física, mental e muitas vezes econômica. Parar nem sempre é uma opção.
O sonho tardio

Julio Cesar Barbosa Guedes tem 56 anos, é aposentado e cursa Jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Essa combinação de fatores pode parecer incomum, já que, nas médias brasileiras, ele é novo demais para ser aposentado e velho para estar em uma faculdade. Mas a cada regra, existe uma exceção.
"Quando eu era pequeno, gostava muito de escutar o futebol pelo rádio. Naquela época, eram aqueles rádios grandes, tipo um móvel, que servia também para tocar disco de vinil. Tinha um desses lá em casa. Eu ligava bem baixinho, sentava no chão e encostava meu ouvido no auto-falante para escutar os jogos. Qualquer jogo que passava, eu escutava", relembrou Julio, ao ser questionado sobre a origem de sua paixão pelo Jornalismo.
Julio é um dos oito filhos de uma família humilde. "Meu pai era da Marinha, mas a gente passava por muita dificuldade." Aos 18 anos, Julio serviu o período obrigatório no Exército e, em seguida, deu baixa. Ao voltar para casa, sua mãe lhe deu duas opções: arranjar um emprego ou fazer um curso pré-militar. Ele escolheu a segunda e, como consequência das longas jornadas de estudo, Júlio voltou ao Exército. Após 30 anos de serviço, ele foi para a reserva, que é uma espécie de pré-aposentadoria dos militares.
Ao final de sua carreira, Julio começou a pensar sobre o que faria quando a sua tarefa como militar acabasse. "Os meus pais não tinham condições de pagar uma faculdade de Jornalismo para mim. E eu nem pensava nessa possibilidade. Eu achava que de repente, quando estivesse ganhando pelo Exército, conseguiria bancar a faculdade. Mas não era compatível. Só depois, quando eu estava chegando no final da minha carreira, que eu pensei: 'Agora é a hora de realizar meu sonho'." Dito e feito.
Julio começou a estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio, o que para uma pessoa que estava longe das salas de aula há mais de 30 anos foi um desafio: "Eu estudava por meio de CDs de pré-vestibular. Às vezes eu ia dormir e acordava 2 horas da manhã, em cima do notebook. Mas valeu a pena”. Julio conseguiu passar e agora está realizando o seu sonho de criança.
"Depois que eu me aposentei, não tive muitas mudanças na minha rotina, justamente porque eu já tinha passado para a escola de comunicação e praticamente emendei, troquei o trabalho pelo estudo". O futuro jornalista entrou na UFRJ na segunda metade de 2018 e atualmente cursa o sexto período.
Julio continua tendo uma rotina ativa, mas agora consegue reservar mais tempo à sua família e a outros hobbies, como aulas de piano, que faz toda terça-feira. "Então, a aposentadoria é justamente para isso, não para descansar, mas sim para você poder viver a sua vida fazendo as coisas que você gosta."
Julio em um dia de aula na Escola de Comunicação / Reprodução: Instagram
Julio em um dia de aula na Escola de Comunicação / Reprodução: Instagram
Gerontologia e o processo de envelhecimento

O médico geriatra Guilherme Drumond explica a importância de uma rotina ativa na vida dos aposentados: "Os cuidados que uma pessoa que acabou de se aposentar deve ter para a adaptação com esse momento é pensar em continuar mantendo-se ativo e, principalmente, continuar tendo planos, ressignificar a vida. Infelizmente, a aposentadoria é uma causa muito frequente de depressão, porque para algumas pessoas, a partir do momento que elas aposentam, a vida perde o sentido”.
Além da rotina ativa, Guilherme evidencia a necessidade de um envelhecimento saudável. "O conceito de envelhecimento saudável é um envelhecimento ativo do ponto de vista de dois aspectos: físico e social. O ativo do ponto de vista físico, vai desde atividades domésticas até atividades físicas. No ponto de vista social, é continuar socializando. Porque quem socialmente vive isolado, automaticamente, está muito mais vulnerável ao adoecimento mental, que é muito comum na aposentadoria."
Em busca do ressignificado

Manoel em um de seus passeios diários pela orla Reprodução: Instagram
Manoel em um de seus passeios diários pela orla Reprodução: Instagram
Manoel Rijo tem 65 anos e é aposentado. Trabalhou como auditor na Petrobras por mais de 30 anos e se aposentou em 2020. "Alguns colegas faleceram na pandemia e isso me fez pensar. Vou ficar trabalhando até morrer? Quer saber de uma coisa? A empresa deu um incentivo, então vou me aposentar logo." Desde então, o pai de quatro filhos tem mais tempo para fazer as coisas que gosta: "Nós aposentados temos que aproveitar para fazer muitas coisas que queríamos fazer quando trabalhávamos, mas não dava. Eu acordava muito cedo, ficava o dia inteiro no trabalho e chegava em casa muito tarde. Não dava para fazer nada. Hoje eu posso dar uma caminhada no calçadão, pegar um sol, conversar com as pessoas".
Nos quatro anos que sucederam a sua aposentadoria, Manoel sentia sua rotina um pouco monótona, só fazia as tarefas de casa e as suas obrigações. Esse sentimento alinhado com uma necessidade financeira, fez com que ele começasse a estudar para o Concurso Nacional Unificado (CNU), para concorrer ao cargo de Auditor Fiscal do Trabalho. "Acho que estudar para o concurso foi uma ótima forma de criar uma obrigação, para que eu não desperdiçasse tanto tempo. Comecei a acordar mais cedo e aproveitar mais o dia."
De acordo com o psicólogo Israel Medeiros, especialista em psicogerontologia, um dos maiores problemas da aposentadoria é a falta de planejamento: "Muitos pacientes não planejam a aposentadoria, muito menos a velhice. É como se fosse um simples checklist da vida. Você vai trabalhar, vai casar, vai ter filhos, vai se aposentar e vai curtir o final de sua vida. Só que muitas pessoas não planejam esse final. Então, quando chegam nele, acabam tendo um sentimento de inutilidade. Muitos idosos relatam, principalmente, não se sentirem mais úteis socialmente".
Como solução, o psicólogo engrandece a importância de uma medicina e educação preventivas. "Se hoje eu tenho 30 anos e não sigo uma rotina saudável para minha vida, daqui a 30 anos, quando eu tiver 60, eu não posso olhar para trás e reclamar e dizer que a culpa é da velhice, porque eu acabei não plantando para poder colher.”
"A questão da velhice nunca vai ser a velhice, mas é a forma como envelhecemos"
As duas paixões

Paulo Carvalho tem 75 anos, é aposentado e médico. Mesmo tendo se aposentado do hospital Miguel Couto, que fica na Gávea, Rio de Janeiro, e da Gerdau, Paulo segue trabalhando em um consultório privado em Santa Cruz, RJ. "Eu me aposentei, mas estou desaposentado. Tem que correr atrás, né?", brinca Paulo.
Além de médico, Paulo é saxofonista e compositor. A aposentadoria parcial deu à ele mais tempo para seguir sua outra paixão: "A música é religiosa na minha vida. Penso música o dia inteiro. Ou é a medicina, ou é a música". Com uma menor carga horária de trabalho, Paulo conseguiu se dedicar mais à música, que agora, se tornou parte essencial de sua vida. Através dela, ele tem encontros semanais e mantém amizades de longa data. Além disso, começou a publicar suas canções no Spotify.
Mesmo que a medicina e a música compartilhem o coração de Paulo, apenas uma paga as contas: "A música foi sempre um hobby. Mesmo agora que componho, não espero nenhum retorno financeiro". Portanto, continuar a trabalhar é necessário para pagar as contas de casa. "Me aposentei no INSS, que é uma mentira, né? Se você não pertence às elites, você tem que continuar ralando." Mesmo que seja atrelada ao descanso, a aposentadoria como sinônimo de sentar e aproveitar o conquistado até ali, não é a realidade da maioria dos brasileiros.
Paulo já coleciona músicas de sua própria autoria
Paulo já coleciona músicas de sua própria autoria
Na companhia do seu amigo e professor Guilherme Brício
Na companhia do seu amigo e professor Guilherme Brício
Música "Samba para o meu Guri" de autoria de Paulo
Música "Samba para o meu Guri" de autoria de Paulo
O psicólogo Israel Medeiros, especialista no tratamento de idosos, explica como o desconhecimento de parte da população pode ser nocivo ao tratamento de pacientes dessa faixa etária: "O preconceito está instalado e as pessoas acabam replicando isso. Como? Quando dentro de casa dizem: 'Ah, meu avô está isolado, só quer ficar no quarto, mas isso faz parte da velhice. Não tem o que fazer.' E não é bem assim. Muitas vezes aquele idoso está passando por sofrimentos que são negligenciados. Ele acaba sentindo dores que são naturalizadas, como se aquilo fosse parte da velhice e da idade. Quando não se olha com respeito para essa situação, os transtornos emocionais e psicológicos afloram muito mais” .
“O maior problema é lidar com o preconceito da própria sociedade”
Esse preconceito por conta da idade tem nome. Ele se chama idadismo ou etarismo e pode afetar não só os idosos, como também os jovens. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o idadismo apresenta três níveis de manifestação: institucional, interpessoal e autodirigido e conta com dois tipos de representação: explícita e implícita. São as certezas de que existem idades certas para certas atividades. Como os outros tipos de preconceito que carregam o sufixo "ismo", ele começa a ser interiorizado nos sujeitos, que cometem ofensas sem nem perceber a nocividade delas.