Engenho de Dentro se transforma impulsionado por megaeventos

Em 2023, shows e jogos no estádio Nilton Santos trouxeram multidões para a região que vive boom.

 Domingo, 26 de novembro de 2023, a cerca de 800 metros do estádio Nilton Santos, já é possível ouvir o grito da torcida. O final do jogo entre Botafogo e Santos se aproxima. Um gol, não ironicamente, marcado aos 45 minutos do segundo tempo, pelo time santista, fez o Botafogo ficar ainda mais distante do título de campeão Brasileiro. Os gritos, ouvidos de longe, na verdade são vaias ao time da estrela solitária, retrato da indignação dos botafoguenses. Ao fim do jogo, os arredores do Engenhão são tomados pelos torcedores. Mesmo com os sentimentos à flor da pele devido ao empate, o panorama é de festa. A massa de botafoguenses toma as ruas de Engenho de Dentro, bairro em que está situado o ‘Niltão’. Enchem os bares, movimentam os food trucks, compram com ambulantes e formam um cenário de agitação, não muito visto na zona norte carioca. Realidade que vem mudando para Engenho de Dentro, a quase conquista do Botafogo ao título do Brasileirão e os grandes shows internacionais que o Nilton Santos sediou trouxeram multidões para o bairro. O estádio é símbolo de um renascimento da região, movimentando um ecossistema.


Imagem: Engenhão após jogo do alvinegro.

Imagem: Engenhão após jogo do alvinegro.

Mesmo que não torcessem para o time, a cada gol do Botafogo na liderança do Campeonato Brasileiro, comerciantes e moradores do Engenho de Dentro comemoravam, devido à conexão do bom desempenho do time à boa fase do bairro. Edson Romero (43) é personal trainer, mora nos arredores do ‘Engenhão’ há 10 anos e constata: “Este ano ficou muito perceptível para nós moradores que o público frequentador do estádio aumentou”. A campanha realizada pelo Botafogo deixou seus torcedores sonharem com o título do Brasileirão, acabando com um jejum de 28 anos. O alvinegro liderou o campeonato por 31 rodadas consecutivas, chegando a abrir uma vantagem de 13 pontos do Palmeiras, segundo colocado da tabela. O entusiasmo levou milhares de torcedores ao estádio. No dia 25 de agosto de 2023, auge da boa fase do time, o número de assinantes do programa sócio-torcedor bateu o recorde de 62 mil associados.

De olho nesse lance, os comerciantes do bairro vestiram a camisa e entraram no jogo que movimenta a economia local. Francisco de Assis (58), morador de Caxias, aproveita o quintal cedido por uma amiga para vender bandeiras e blusas do alvinegro. “Essa entrevista vai ser publicada? Porque eu sou flamenguista e ficaria feio”, essa foi a primeira indagação feita pelo ambulante, que vê no estádio uma oportunidade de renda extra, mesmo que tenha que abrir mão de vender artigos do time de coração. “Trabalho de carteira assinada durante a semana, no mês tiro 1.200 reais trabalhando como ambulante aos finais de semana, há dias como hoje que já faturei 800 reais”, conta Francisco. Essa é a principal motivação para o vendedor se deslocar de Caxias até Engenho de Dentro. Para o azar dos comerciantes, o Botafogo cometeu algumas escorregadas quando o final da competição se aproximou, deixando a disputa acirrada. Algumas derrotas e cinco mudanças de técnicos contribuíram para que na 37ª rodada do campeonato o time já não tivesse mais chance de título. “O time caiu de produção, então a venda também caiu”, explica o flamenguista.

Morador da Barra da Tijuca, Bruno Moreira (38), é um exemplo de botafoguense que varia a presença no estádio conforme o desempenho do time. “Em 2022 cheguei a cancelar minha inscrição no sócio-torcedor”, confessa. No ano passado, o time da estrela solitária ocupou a zona de rebaixamento do Brasileirão, campeonato em que se destaca este ano. Outro ponto marcante na trajetória do time em 2022 foi a concretização de sua venda. Desde 2021, os planos para se tornar uma Sociedade Anônima do Futebol, SAF, pairam sobre o Botafogo. A mudança significou para o time deixar de ser um clube associativo, tornando-se uma empresa privada. O investidor estadunidense John Textor comprou 90% das ações do clube. As inovações salvaram o alvinegro de uma dívida de 1,04 bilhões de reais, dando um novo gás ao time, que pode ser visto durante o ano de 2023.

Imagem: Bruno Moreira no Nilton Santos.

Imagem: Bruno Moreira no Nilton Santos.

Este ano o ‘Niltão’ recebeu diversos eventos, além dos jogos de futebol, o estádio também foi palco para shows de pagode, rock, pop e hip-hop. Sediar grandes espetáculos de artistas nacionais e internacionais foi uma iniciativa da SAF, que é encarregada de administrar o Nilton Santos e o time de futebol. “A parceria entre Sociedade Anônima do Futebol Botafogo com a Subprefeitura da Zona Norte, que coordena os serviços públicos para que o cidadão tenha segurança e conforto, tem gerado confiança, show após show. Engenho de Dentro pode ser um hub de desenvolvimento”, explica o subprefeito da zona norte, Diego Vaz (32). Buscando conciliar futebol, eventos e lucros, a nova gestão do clube adaptou o estádio, trocando em abril deste ano a grama do campo, que passou a ser sintética. Dessa forma, a SAF vem explorando o potencial do ‘Engenhão’, encontrando uma outra fonte de renda para o Botafogo. As apresentações também são lucrativas para a prefeitura do Rio de Janeiro. “Cada show internacional gera cerca de 1,5 milhões de reais à prefeitura em impostos”, expõe Vaz.

Nessa partida, na qual nenhum time entra em campo, comerciantes locais, a SAF Botafogo e a prefeitura do Rio são os maiores beneficiados. Todos compartilham da prosperidade trazida com o novo público, já que os shows no estádio vêm atraindo multidões. A última apresentação ocorrida no Nilton Santos foi da cantora Taylor Swift, a turnê “The Eras Tour” levou para o ‘Engenhão’ 60 mil pessoas a cada dia. A capixaba Mariana Ribeiro (24) foi uma das pessoas dentro dessa estimativa, tendo comparecido ao show no dia 19 de novembro. “Nunca tinha ido ao ‘Engenhão’, minha experiência foi bem tranquila, tanto para chegar no estádio quanto para assistir ao show”, relata Mariana. Estudante universitária, a capixaba se mudou para o Rio de Janeiro há cinco anos, para cursar a graduação. Mariana é um retrato do amplo público que os megaeventos no ‘Niltão’ atraíram. Essa multidão é ponto central para o renascimento de Engenho de Dentro e outros bairros ao redor do estádio. Para comerciantes como Francisco, a alta e constante presença de fregueses significa uma virada econômica. “Fiz dinheiro a pampas nos shows da Taylor”, comemora o ambulante.

Imagem: ruas de Engenho de De Engenho de dentro após jogo do Botafogo.

Imagem: ruas de Engenho de De Engenho de dentro após jogo do Botafogo.

Entretanto, nem tudo são vitórias, a passagem da turnê “The Eras Tour” ao Rio de Janeiro contou com diversos problemas. A princípio os shows estavam marcados para acontecer nos dias 17, 18 e 19 de novembro, porém o calor intenso castigou os fãs no primeiro dia de evento. Alguns graves erros da TF4, equipe que organiza a turnê, como proibir a entrada de garrafas de água e comercializar o produto a 8 reais, resultaram na morte da jovem Ana Clara Benevides (23), além disso, cerca de 1000 pessoas desmaiaram no estádio. No dia 18 o rio continuou registrando temperaturas elevadas, chegando à máxima de 42º graus. Outros erros de infraestrutura foram novamente cometidos, duas fãs tiveram graves queimaduras ao caírem em placas refletoras expostas. Após todos esses acontecimentos, a produção da cantora resolveu adiar o segundo dia de shows, o comunicado veio a público faltando menos de duas horas para o evento começar. A apresentação foi transferida para o dia 20 de novembro e ocorreu sem grandes dificuldades.

Esses não foram os únicos desafios enfrentados pelos ‘swifties’, alguns fãs da cantora estadunidense presenciaram arrastões na saída do estádio. “No segundo dia de show presenciei três arrastões”, conta Francisco. Essa também foi uma cena vivida nos dias 9 e 10 de novembro, nas apresentações da banda mexicana RBD. Segundo levantamentos da 24ª DP, que atua nas áreas de Piedade, Abolição, Água Santa, Encantado, Pilares e Engenho de Dentro, houve crescimento nos números de roubo de veículos (18%) e de celulares (50%), de furto de pedestres (29%) e de celulares (150%), além dos casos de homicídios, que dobraram. Os moradores também enfrentam desafios com as mudanças na região, que está se adaptando a receber esses megaeventos. “Nunca tinha presenciado arrastões nessa área da cidade”, afirma Edson Romero. Além disso, os vizinhos ao ‘Engenhão’ também relatam outros problemas. “Em dias de shows é mais complicado chegar em casa, tem muito trânsito e as ruas ficam bloqueadas”, relata o personal trainer.


Imagem/reprodução Pinterest: Estádio Nilton Santos por dentro.

Imagem/reprodução Pinterest: Estádio Nilton Santos por dentro.

Imagem: Vendedor Francisco de Assis.

Imagem: Vendedor Francisco de Assis.

Imagem: trecho da "The eras tour".

Imagem: trecho da "The eras tour".

Imagem: Agradecimento de Taylor Swift e seus bailarinos ao fim do show.

Imagem: Agradecimento de Taylor Swift e seus bailarinos ao fim do show.